As múltiplas dimensões da linguagem
Filhotes e amigos(as), diante do ambiente poluído de informações e "verdades", compus esta narrativa por que tenho buscado um significado mais profundo para o fenômeno da linguagem.
Quem foram “Nossa Senhora” de Fátima e “Nossa Senhora” de Guadalupe? Os títulos se inserem em um padrão linguístico específico e contextual, que varia conforme a cultura e a tradição religiosa que o utiliza. Para entender melhor essa questão, é importante considerar que a linguagem é um fenômeno complexo, envolvido na forma como percebemos e comunicamos nossas experiências do mundo.
A linguagem falada transforma a percepção em símbolos sonoros, enquanto a escrita organiza esses símbolos em um sistema estruturado de significados. Mas por que falamos em símbolos "deste mundo"? Porque a linguagem é, essencialmente, uma ferramenta de objetivação: falamos e escrevemos sobre o que conhecemos e sobre os objetos que compõem o nosso universo de experiência. Mesmo quando usamos a linguagem para descrever o imaterial, ela ainda carrega os limites e as características da nossa experiência cotidiana e senso de realidade.
Pense, por exemplo, na mímica: um dedo apontando para a lua ou uma expressão facial que indica desconforto, como se alguém estivesse olhando diretamente para o sol. Esses gestos são formas de simbolizar fenômenos “deste mundo”, mesmo quando pretendem representar algo que vai além dele. Da mesma maneira, a linguagem humana usou o sol, a lua e as estrelas como símbolos ao longo da história, porque esses elementos fazem parte do mundo conhecido e da experiência coletiva. Esse “mundo” não se limita ao físico; ele também inclui o mental, o espiritual e o simbólico.
Cada cultura cria sua própria linguagem e estabelece padrões de expressão que refletem uma visão de mundo histórica e coletiva. A maneira como um indivíduo comunica suas experiências depende dos padrões culturais e linguísticos em que foi formado. O que “mundo” significa para uma pessoa depende dos fenômenos que essa pessoa vivencia, seja individualmente, seja em comunidade.
Outros seres têm suas próprias linguagens, como a das baleias, compostas por sons magníficos que descrevem a complexidade de suas experiências. Podemos especular sobre as limitações da linguagem das baleias em relação à nossa, mas não podemos afirmar com certeza que suas formas de comunicação não incluam olhares, gestos ou algum outro tipo de consciência.
Certos conhecimentos, especialmente em contextos filosóficos ou espirituais, utilizam linguagens simbólicas que vão além das palavras para comunicar ideias complexas. A psicologia Junguiana, por exemplo, depende de conceitos como “arquétipo” para explorar a psique humana. Sem compreender esses conceitos, é difícil acessar a profundidade dos fenômenos que eles pretendem descrever. O mesmo ocorre em outras disciplinas: a música, a arquitetura, a matemática e a física têm suas próprias linguagens. Cada uma delas possui códigos e símbolos próprios que, se não forem compreendidos, limitam o entendimento do fenômeno em questão.
Quando leio sobre as aparições de Fátima e Guadalupe, reconheço que elas não são, em sua essência, fenômenos exclusivamente religiosos. As manifestações foram interpretadas pela religião predominante nos contextos culturais onde ocorreram, sendo simbolizadas de acordo com a subjetividade coletiva daquela sociedade. O que hoje consideramos "aparições marianas" foram experiências objetivadas dentro de um padrão simbólico religioso específico. De forma similar, as tradições judaico-cristãs narram a ascensão de Elias, João e Enoque ao “céu”, e Ezequiel descreve rodas dentro de rodas em suas visões. Enquanto algumas dessas experiências foram incorporadas na Bíblia cristã, outras, como o livro de Enoque, ficaram de fora. Por quê?
Talvez a resposta esteja nas intenções por trás da linguagem dos mitos e dos textos religiosos, como nos diálogos de Platão, por exemplo. O que é preservado na memória coletiva ao usar esses símbolos para descrever fenômenos extraordinários? O que as culturas querem comunicar e perpetuar através dessas linguagens simbólicas? Como diferenciamos memórias históricas, de fantasias, ou narrativas metafóricas? Quem poderá atribuir significado para a intenção por trás das linguagens? Somente você poderá fazer isso! De acordo com a sua religião, ou ausência dela, ou cultura, ou qualquer influência, mas principalmente aquilo que lhe pareça coerente agora. Não tenha medo de acreditar, nem de duvidar, porque sua opinião é importante.
A construção de símbolos e significados nas manifestações de Fátima e Guadalupe reflete a tentativa de traduzir experiências subjetivas e transcendentes em um código acessível e reconhecível dentro da cultura que as originou. O fenômeno é recontextualizado de acordo com as expectativas e a linguagem da sociedade que o adota, criando um espaço onde o extraordinário encontra o compreensível. Neste sentido, a linguagem apresenta-se como algo que atravessa diversas dimensões do conhecimento humano. Quando escuto uma filosofia, religião, ou a opinião pessoal, imediatamente procuro identificar aquela linguagem e suas características. Exceto no caso de violência ou preconceito, ouço com muita atenção, porque cada pessoa é um mundo inteiro de riquezas.
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