Em busca do significado
Filhotes e amigos(as), com esta narrativa desejo enfatizar a importância do significado das palavras que utilizamos e a sua representação simbólica.
Refletir sobre o significado de determinadas palavras me parece uma das experiências mais profundas no campo da espiritualidade. Nesse contexto, às vezes, me confundo ao tentar fazer uma distinção clara entre filosofia e espiritualidade. No livro "The Secret of The Golden Flower, a Chinese Book of Life", o Tao é traduzido por Richard Wilhelm como “Cheio de Significado” ou “Significativo”. Explorar esse significado é se aproximar da origem dos fenômenos manifestos. Na sabedoria hermética, o que está em cima se manifesta no que está em baixo. De forma semelhante, dizem os cabalistas: os objetos de um “mundo superior” são representados por palavras “deste mundo”, numa linguagem de raízes e ramos. Aqui, "mundo" não se refere a um planeta e “superior” traz o sentido de anterioridade.
O desenvolvimento das técnicas humanas acelerou profundamente, e o campo desse aceleramento está precisamente na linguagem, nos modelos de linguagem natural. Em contraste, escutei que vivemos uma crise exponencial do significado. Esta crise é parte de um risco global que Daniel Schmachtenberger chama de meta-crise, enquanto Yuval Noah Harari fala de uma enxurrada de informações e comportamentos moldados por algoritmos. Não consigo deixar de pensar nas palestras de Jiddu Krishnamurti, por sua busca heroica pelo significado. Será que estamos vivendo uma crise do significado ao mesmo tempo quando o acesso à informação aumentou? Estaríamos poluindo nossa mente, ao invés de realizar conexões entre as pessoas e suas sabedorias? Nas palavras de Daniel Schmachtenberger em conversa com Lex Fridman intitulada Steering Civilization Away from Self-Destruction:
Momentos em que estou absorto no pôr do sol e não estou pensando no que fazer em seguida, e então a plenitude disso pode fazer com que meu fazer não venha de um lugar de interesse próprio, porque eu realmente me sinto já completamente pleno.
De certa forma, busco coerência nas ideias que apresento. Essa coerência implica numa sistematização dos conceitos abordados nas narrativas. Para mim, as características do observador e suas representações são fundamentais na construção das concepções de realidade, tanto individual quanto coletiva. Isso foi esboçado nos textos sobre linguagens e verdades. As pessoas tornam-se vulneráveis quando não encontram significado para as suas vidas e quando sentem-se desconectadas. A vulnerabilidade gera violência, porque é inspirada nos medos. Se considerássemos o “outro legítimo outro”, como propõe Humberto Maturana, parte da violência poderia ser suavizada.
Ao apresentar conceitos e experiências, faço isso dentro de um contexto cultural, o “mundo inferior”. Poderíamos até pensar em um resquício de neoplatonismo aqui, considerando o “mundo superior” como esses objetos fundamentais da realidade. Se seguirmos essa linha de pensamento, não poderíamos deixar de destacar o logos. Mas pensem comigo: isso não seria o exercício do aprendizado ou a criação de uma nova linguagem, com seus objetos-palavra e sintaxes? Seria essa a articulação de um sistema coerente de pensamento? Talvez a crise do significado esteja justamente na incoerência ao aceitar o outro, na ausência de uma atitude de inclusão e conexão. Falta diálogo, porque todos estamos tentando convencer o outro do nosso próprio sistema articulado de significado. Não se trata de relativizar fatos, mas de incluir múltiplas verdades.
Aqui está, de forma precisa, meu desapontamento com as organizações em torno de sabedorias, religiões, filosofias, cultos, academias e sociedades. Mesmo os sistemas mais desenvolvidos refletem seus atores, e por consequência, seus desejos pessoais e paranoias. Quando a fé coletiva em determinado sistema de pensamento é tamanha que ele se vê como fundamentalmente coerente e correto, isso gera um comportamento missionário em relação ao outro, de persuasão e convencimento. Existe essa crença fragmentada de que “nós” sabemos organizar o mundo melhor do que todos os outros que vieram antes de “nós”. Essa crença consome o mundo como um produto, na linguagem de Ailton Krenak, no livro A vida não é útil:
Estamos a tal ponto dopados por essa realidade nefasta de consumo e entretenimento que nos desconectamos do organismo vivo da Terra.
Escolhi uma palavra comum para trazer significado: comum porque é usada em praticamente todas as tradições de sabedoria, mas sejamos honestos, quem realmente sabe o que é eternidade? Portanto, para início de conversa, precisamos lidar com o que não conseguimos definir. E mais: precisamos fazer isso de forma coerente. Seria como os cabalistas se referiam ao criador, o eterno, ou em outras palavras, o impossível de conceber ou definir. Poderíamos chamar de a fonte da evolução, ou a raíz de tudo, e muitas outras tentativas. Se considerarmos “proibido” como sinônimo de “impossível”, poderíamos dizer que é proibido dar um nome ou imagem a isto. É impossível porque tentar defini-lo seria uma tentativa de sistematização do sujeito, como na “via negativa” do Advaita Vedanta.
O que fazer, então? Sentir-se desamparado, sem resposta e perdido neste mundo? Não! Peço sua permissão para oferecer conselhos: caso queiram, preservem sua religiosidade e sua narrativa cultural, seja de sabedorias, religiões, filosofias, cultos ou academias; especialmente se isso lhe conecta com a sua ancestralidade. Busquem o conhecimento de si mesmos. Considerem as palavras dos professores, mas sigam o seu coração. Respeitem e honrem todos os seres. E assim encontrarão “Deus”, na ausência de ambição de controlar o que isso signifique. Ao invés de tentar definir eternidade, falemos de continuidade.
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Bela reflexão meu nobre, caro e desperto amigo!
Infelizmente fomos impregnados ao longo de nossa existência por "significados", dogmas e paradigmas que quase sempre chegaram até nós por experienciações externas, e muitas das vezes se quer foram questionadas mais profundamente e ou experenciadas internamente por nós mesmos, ou se quer fizeram parte de algum entedimento mais profundo sobre o todo, e que de forma inconsequente e premeditada por "muitos" influenciaram e continuam influenciando nosso inconsciente coletivo e cocriando essa realidade rasa e equivocada em contrapartida à verdadeira essência da vida e por consequência da humanidade, buscando e aguardando sempre esse entendimento, referência e ou "salvação" que venha de fora...
Sendo assim, caso vc me permita, aproveito para parafrasear dois "amigos / mentores" Lian Erelim e Lael Ofanim, onde quase sempre carregam e replicam a seguinte frase:
"Nós somos os verdadeiros salvadores de nós mesmos e que sempre estávamos aguardando", até mesmo porquê, sendo nós um fractal da fonte criadora que tudo é, e isso sempre foi um conceito comum e básico em todas as religiões, sendo assim somos completamente capacitados para tanto e muito mais!
Parabéns pelo excelente texto e belíssima reflexão!
Gratidão pela oportunidade!